quinta-feira, 4 de março de 2010

MISSÃO INTEGRAL - POR JORGE PINHEIRO

REFLEXÕES SOBRE A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL

Por Jorge Pinheiro

Nesses estudos que começamos a desenvolver sobre a Teologia da Missão Integral queremos reafirmar alguns conteúdos e expor outros. Assim, começamos, à guisa de definição, afirmando que a TMI é comunicação e presença do evangelho. Com isso queremos dizer que essa teologia correlaciona comunicação e presença, sem colocar um sinal de igualdade entre essas realidades e sem declarar que necessitam sempre ser levadas a termo juntas. Na Teologia da Missão Integral, a comunicação tem conseqüências sociais porque convoca pessoas e comunidades ao arrependimento e ao amor pelos outros em todas as áreas da vida.

A Teologia da Missão Integral vê compromisso social como comunicação e presença, que tem conseqüências para a proclamação da boa nova que se dá através do testemunho da graça do Cristo. Quando há silêncio e cruzar dos braços diante dos sofrimentos do mundo, a Palavra é traída, já que nessas circunstâncias não há o que oferecer ao mundo.

A Teologia da Missão Integral tem como um de seus pilares a diaconia, que em seu sentido cristão significa serviço ao próximo. Diante da alegria pelo que Deus tem feito, ao abençoar as vidas, a Missão Integral propõe como resposta a promoção da diaconia. Nesse sentido, Missão Integral e diaconia são expressões que não podem vir separadas.

Nas primeiras comunidades cristãs, a diaconia teve característica singular de testemunho de fé por meio da vida solidária (At 2.44-45; 4.32-35), já que, como disse Paulo, "se um membro sofre todos sofrem com ele" (1Co 12.26). O fundamento dessa ação solidária repousa nos ensinos e prática de Jesus Cristo. Por isso, para a Missão Integral, o amor a Deus só é possível se este alcança o próximo (1Jo 4.20). Na prática, amar ao próximo consiste em propiciar dignidade humana e reintegração na sociedade (Mt. 9.35+). Por seu ministério e morte, Cristo assumiu a fraqueza humana e sofreu o poder de morte do mundo para, então, superá-los. Assim, a Teologia da Missão Integral desafia ao testemunho do amor de Deus, enquanto ação solidária.

A Teologia da Missão Integral é sentido e luta incondicional pela justiça, entendendo que a justificação pela graça, através da fé, não se refere apenas a fé posicional, mas existencial. É uma instrução de que falamos de Cristo na vida da comunidade de tal maneira que a justificação se transforma em vida aberta. E, assim, é fé material, política, e espiritual, já que transformação da pessoa e transformação estrutural estão correlacionadas. Ser, fazer e dizer, então, estão no coração da teologia da missão integral.


A Teologia da Missão Integral
é uma teologia da transformação holística


1. É uma teologia da centralidade em Cristo, pois a vida de serviço sacrificial de Jesus é o paradigma. Em sua vida e por meio da sua morte, Jesus estabeleceu o modelo de identificação com os excluídos e o exercício da inclusão. Na cruz, Deus revela a seriedade com que Ele olha para a justiça e reconcilia consigo integrados e excluídos, ao cumprir com os requerimentos de sua própria justiça. No caminhar com os excluídos de bens e possibilidades, serve-se no poder do Senhor por meio do Espírito e encontra-se a esperança em submeter todas as coisas a Cristo.

2. É uma teologia da graça de Deus, que concede impulso à comunicação permanente onde todo e qualquer locus é campo privilegiado. Como receptores do amor somos pessoas agraciadas pela generosidade e aceitação dos demais. Tal graça define a justiça frente à situação-limite vivida pelo povo brasileiro, não somente como contrato que deve ser honrado, mas como serviço àquele que se encontra à margem, caído.

3. É uma teologia do Espírito, um convívio com o Espírito, já que este é o sentido cristão da palavra espiritualidade. Dessa maneira, a idéia de uma vida forte, a idéia da vitalidade de uma vida criativa a partir de Deus nos leva à espiritualidade, ou seja, a uma vida espiritualizada por Deus.

Por isso, podemos dizer: as pessoas procuram a Deus porque o Espírito as atrai para si. Estas são as primeiras experiências do Espírito no ser humano. E o Espírito as atrai como um imã atrai as limalhas de ferro. O íntimo e suave atrativo de Deus é experimentado pela pessoa em sua fome de viver e em sua busca de felicidade, que nada no universo pode satisfazer ou saciar.

A espiritualidade da vida se opõe à mística da morte. Quanto mais sensíveis as pessoas se tornam para a felicidade da vida, mais sentem a dor pelos fracassos da vida. Vida no Espírito é vida contra a morte. Não é vida contra o corpo, mas a favor de sua libertação e sua glorificação. Dizer sim à vida significa dizer não à guerra e suas devastações. Dizer sim à vida significa dizer não à miséria e suas humilhações. Não existe uma afirmação verdadeira da vida sem luta contra tudo que nega a vida.

O Espírito é o acontecer da presença atuante de Deus, que penetra até o mais íntimo da existência humana. Ele atua como força de vida no ser humano e transforma aqueles que se encontram sob o senhorio de Cristo.

Cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão. Cria o horizonte e nas nossas vidas amplia o horizonte. Na experiência com o Espírito, Deus não é experimentado somente como Pessoa da Trindade, mas também como aquele espaço e tempo de liberdade onde o ser humano pode se desenvolver.

E onde está o Espírito há liberdade. Com essa experiência do Espírito, Paulo falou sobre a liberdade cristã. Mas para falar da liberdade no Espírito é necessário começar pela fé.

A fé é geralmente entendida como uma concordância formal com a doutrina da igreja ou como uma participação na fé da igreja. Mas a fé que liberta é mais do que isso, é uma fé que nos envolve pessoalmente. A fé que me faz livre não é somente a fé com a qual eu concordo, mas aquela que me leva a partir e repartir o pão e o vinho. Tal fé pessoal é sempre comunitária e o início de uma liberdade que renova inteiramente a vida e vence o caos.

Essa fé é uma experiência que não abandona aqueles que a vivenciam realmente: é libertação do medo para confiança, reviver para uma esperança viva, amor incondicional à vida.

Para a fé que parte e reparte pão e vinho, a liberdade não consiste nem na compreensão de uma necessidade histórica, nem na autonomia sobre si próprio e sobre a propriedade, mas sim no ser tocado pela necessidade do outro que sofre. Fé significa assim, posicionamento existencial, ser criativo diante dessas gentes brasileiras, com suas comunidades, com Deus e no seu Espírito. Crer leva a uma vida criativa e vivificante pelo amor. Crer, por isso, significa ultrapassar os limites da realidade determinada pelo passado marcado pela escravidão e pela exclusão e buscar as possibilidades da vida que não se realizaram. E é essa fé que livra da força do mal, da lei das obras e do poder da morte e leva a uma comunhão direta com o meu próximo e eterna com Deus. Essa é a base e o fundamento da liberdade no Espírito.

4. É teologia da imagem de Deus, e nesse sentido uma teologia para os excluídos, que como todos os humanos são portadores da imagem de Deus Criador. Pessoas e comunidades excluídas de bens e possibilidades têm conhecimentos, habilidades e recursos. Tratar tais pessoas com dignidade significa propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades. Trabalhar com elas envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua.

5. É uma teologia para a Igreja, porque Deus por sua graça tem dado as comunidades de fé o desafio da comunicação. O futuro da comunicação se define em termos de expansão do reino de Deus, capacitando as gentes para que transformem suas comunidades. As comunidades de fé devem gerar espaços e tempos de inclusividade, como fruto natural do chamado que receberam. As pessoas e mesmo as comunidades são atraídas por este fazer de amor das comunidades cristã. E é a partir daí que são impactadas pela mensagem cristã.

6. É uma teologia para o Reino de Deus, comunitária, porque a experiência de caminhar com as comunidades excluídas deixa uma interrogação sobre o que significa ser comunidade de fé. A igreja pode ser mera instituição ou organização, mas é nas comunidades de fé em Jesus que se concretizam os valores do Reino. A participação dos excluídos na vida das comunidades de fé possibilita o encontro de novas maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira, ao invés de ser simples reflexo dos valores da subcultura dominante. A comunicação tem credibilidade na medida em que adota uma aproximação encarnada. Com freqüência as comunidades de fé têm-se dedicado à obtenção de dinheiro, êxito e influência. A comunidade que Jesus Cristo denominou seu pequeno rebanho faz parte do Reino de Deus. As tradições eclesiásticas não podem dificultar o que a Igreja já fez pela expansão do Reino. A igreja pode enfrentar o problema da miséria quando trabalha com os miseráveis e, a partir daí, pressiona atores sociais com a sociedade civil, os governos e o setor privado, sobre a base do respeito mútuo e o reconhecimento do papel de cada participante.

7. É uma teologia social, de apoio às transformações sociais que favoreçam os excluídos e caminhem na direção de acabar com a miséria no Brasil. Vejam de onde vierem essas ações transformadoras. Tais atividades se ampliam para incluir avanços em direção à transformação de valores, o reconhecimento da dignidade das comunidades e a cooperação em questões de justiça. Com sua presença ao lado dos excluídos, as comunidades de fé colocam-se numa posição singular que favorece o trabalho para restaurar a dignidade concedida por Deus, apresentando valores para que produzam recursos próprios e criem redes de solidariedade.

8. É uma teologia da cidadania, de consciência de direitos e deveres de cada pessoa como integrante de uma coletividade, entendendo-se essa coletividade em todas as instâncias do Reino de Deus e de sua presença no mundo. Isso pressupõe a igualdade, que transpõe barreiras de nível sócio-econômico, de etnia, de faixa etária, de sexo, de cultura, de situação civil, de deficiência física, de instituição e, também, pressupõe a unidade na pluralidade, pois trata da existência humana sobre a face da terra, e seu direito à vida, à liberdade, à propriedade, ao trabalho, à educação, à saúde, ao entretenimento e à cultura. É uma teologia por si só inclusiva, pois se contrapõe à opressão, à omissão, à rejeição e à massificação. É também uma teologia espacial, pois considera o mundo como oikos, precisando ser preservado, cuidado, adaptado, sinalizado, para usufruto e bem estar do ser humano; o que integra as demais criaturas de Deus, como parte de seus direitos e deveres, de coroa da Criação.

9. É uma teologia ecológica, que envolve o uso responsável e sustentável dos recursos da criação de Deus e a transformação das dimensões morais, intelectuais, econômicas, culturais e políticas da vida. Isto inclui a recuperação de um sentido bíblico de mordomia. O conceito bíblico do sábado recorda que se deve por limites ao consumo. Os cristãos integrados no Brasil devem usar sua riqueza e seu poder a serviço dos demais. É um compromisso de trabalhar para libertar os ricos de sua escravidão ao dinheiro e ao poder. A esperança de tesouros no céu livra da tirania de Mamon.

10. É uma teologia do amor, da paz e da reconciliação, porque num mundo de conflitos e tensões étnicas tem-se falhado na tarefa de construir pontes. A Teologia de Missão Integral trabalha pela reconciliação entre comunidades divididas etnicamente, entre integrados e excluídos, entre opressores e oprimidos. Reconhece o mandato de falar por quem não pode clamar por si mesmo e, também, a necessidade de defensoria tanto para tratar da injustiça estrutural, como para resgatar o próximo necessitado. Essa teologia clama por outra globalidade, solidária, pois a globalização excludente é o domínio de culturas que têm o poder de promover seus produtos, tecnologias e imagens além de suas fronteiras. A luz deste fato, as comunidades de fé com sua rica diversidade desempenham um papel singular por ser uma comunidade verdadeiramente global.

E, por fim, nessas reflexões da Teologia da Missão Integral para nosso continente, diremos que é uma teologia da solidariedade latino-americana, que faz a crítica da globalização selvagem e chama pessoas e comunidades cristãs à uma solidariedade com a América Latina, construída ao redor de propostas e ações de justiça e paz. A Teologia da Missão Integral considera que os países desenvolvidos devem reconhecer seu papel no desenvolvimento de uma economia global solidária, onde estão incluídas novas formas de pensar e agir em relação ao continente latino-americano.

A Teologia da Missão Integral reconhece o valor do planejamento, da organização, da avaliação e de outras ferramentas similares, mas afirma que estas devem estar a serviço do processo de construção de relações e valorização dos excluídos latino-americanos, sejam eles pessoas ou comunidades.

Dessa maneira, a Teologia da Missão Integral faz um chamado à solidariedade latino-americana, entendendo que pessoas e comunidades cristãs devem ajudar aqueles que clamam pelos Direitos Humanos essenciais e apoiar aqueles que se dedicam a melhorar as condições de vida e possibilidades das populações na América Latina.

Jorge Pinheiro

MISSÃO INTEGRAL - POR JORGE PINHEIRO

REFLEXÕES SOBRE A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL

Por Jorge Pinheiro

Nesses estudos que começamos a desenvolver sobre a Teologia da Missão Integral queremos reafirmar alguns conteúdos e expor outros. Assim, começamos, à guisa de definição, afirmando que a TMI é comunicação e presença do evangelho. Com isso queremos dizer que essa teologia correlaciona comunicação e presença, sem colocar um sinal de igualdade entre essas realidades e sem declarar que necessitam sempre ser levadas a termo juntas. Na Teologia da Missão Integral, a comunicação tem conseqüências sociais porque convoca pessoas e comunidades ao arrependimento e ao amor pelos outros em todas as áreas da vida.

A Teologia da Missão Integral vê compromisso social como comunicação e presença, que tem conseqüências para a proclamação da boa nova que se dá através do testemunho da graça do Cristo. Quando há silêncio e cruzar dos braços diante dos sofrimentos do mundo, a Palavra é traída, já que nessas circunstâncias não há o que oferecer ao mundo.

A Teologia da Missão Integral tem como um de seus pilares a diaconia, que em seu sentido cristão significa serviço ao próximo. Diante da alegria pelo que Deus tem feito, ao abençoar as vidas, a Missão Integral propõe como resposta a promoção da diaconia. Nesse sentido, Missão Integral e diaconia são expressões que não podem vir separadas.

Nas primeiras comunidades cristãs, a diaconia teve característica singular de testemunho de fé por meio da vida solidária (At 2.44-45; 4.32-35), já que, como disse Paulo, "se um membro sofre todos sofrem com ele" (1Co 12.26). O fundamento dessa ação solidária repousa nos ensinos e prática de Jesus Cristo. Por isso, para a Missão Integral, o amor a Deus só é possível se este alcança o próximo (1Jo 4.20). Na prática, amar ao próximo consiste em propiciar dignidade humana e reintegração na sociedade (Mt. 9.35+). Por seu ministério e morte, Cristo assumiu a fraqueza humana e sofreu o poder de morte do mundo para, então, superá-los. Assim, a Teologia da Missão Integral desafia ao testemunho do amor de Deus, enquanto ação solidária.

A Teologia da Missão Integral é sentido e luta incondicional pela justiça, entendendo que a justificação pela graça, através da fé, não se refere apenas a fé posicional, mas existencial. É uma instrução de que falamos de Cristo na vida da comunidade de tal maneira que a justificação se transforma em vida aberta. E, assim, é fé material, política, e espiritual, já que transformação da pessoa e transformação estrutural estão correlacionadas. Ser, fazer e dizer, então, estão no coração da teologia da missão integral.


A Teologia da Missão Integral
é uma teologia da transformação holística


1. É uma teologia da centralidade em Cristo, pois a vida de serviço sacrificial de Jesus é o paradigma. Em sua vida e por meio da sua morte, Jesus estabeleceu o modelo de identificação com os excluídos e o exercício da inclusão. Na cruz, Deus revela a seriedade com que Ele olha para a justiça e reconcilia consigo integrados e excluídos, ao cumprir com os requerimentos de sua própria justiça. No caminhar com os excluídos de bens e possibilidades, serve-se no poder do Senhor por meio do Espírito e encontra-se a esperança em submeter todas as coisas a Cristo.

2. É uma teologia da graça de Deus, que concede impulso à comunicação permanente onde todo e qualquer locus é campo privilegiado. Como receptores do amor somos pessoas agraciadas pela generosidade e aceitação dos demais. Tal graça define a justiça frente à situação-limite vivida pelo povo brasileiro, não somente como contrato que deve ser honrado, mas como serviço àquele que se encontra à margem, caído.

3. É uma teologia do Espírito, um convívio com o Espírito, já que este é o sentido cristão da palavra espiritualidade. Dessa maneira, a idéia de uma vida forte, a idéia da vitalidade de uma vida criativa a partir de Deus nos leva à espiritualidade, ou seja, a uma vida espiritualizada por Deus.

Por isso, podemos dizer: as pessoas procuram a Deus porque o Espírito as atrai para si. Estas são as primeiras experiências do Espírito no ser humano. E o Espírito as atrai como um imã atrai as limalhas de ferro. O íntimo e suave atrativo de Deus é experimentado pela pessoa em sua fome de viver e em sua busca de felicidade, que nada no universo pode satisfazer ou saciar.

A espiritualidade da vida se opõe à mística da morte. Quanto mais sensíveis as pessoas se tornam para a felicidade da vida, mais sentem a dor pelos fracassos da vida. Vida no Espírito é vida contra a morte. Não é vida contra o corpo, mas a favor de sua libertação e sua glorificação. Dizer sim à vida significa dizer não à guerra e suas devastações. Dizer sim à vida significa dizer não à miséria e suas humilhações. Não existe uma afirmação verdadeira da vida sem luta contra tudo que nega a vida.

O Espírito é o acontecer da presença atuante de Deus, que penetra até o mais íntimo da existência humana. Ele atua como força de vida no ser humano e transforma aqueles que se encontram sob o senhorio de Cristo.

Cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão. Cria o horizonte e nas nossas vidas amplia o horizonte. Na experiência com o Espírito, Deus não é experimentado somente como Pessoa da Trindade, mas também como aquele espaço e tempo de liberdade onde o ser humano pode se desenvolver.

E onde está o Espírito há liberdade. Com essa experiência do Espírito, Paulo falou sobre a liberdade cristã. Mas para falar da liberdade no Espírito é necessário começar pela fé.

A fé é geralmente entendida como uma concordância formal com a doutrina da igreja ou como uma participação na fé da igreja. Mas a fé que liberta é mais do que isso, é uma fé que nos envolve pessoalmente. A fé que me faz livre não é somente a fé com a qual eu concordo, mas aquela que me leva a partir e repartir o pão e o vinho. Tal fé pessoal é sempre comunitária e o início de uma liberdade que renova inteiramente a vida e vence o caos.

Essa fé é uma experiência que não abandona aqueles que a vivenciam realmente: é libertação do medo para confiança, reviver para uma esperança viva, amor incondicional à vida.

Para a fé que parte e reparte pão e vinho, a liberdade não consiste nem na compreensão de uma necessidade histórica, nem na autonomia sobre si próprio e sobre a propriedade, mas sim no ser tocado pela necessidade do outro que sofre. Fé significa assim, posicionamento existencial, ser criativo diante dessas gentes brasileiras, com suas comunidades, com Deus e no seu Espírito. Crer leva a uma vida criativa e vivificante pelo amor. Crer, por isso, significa ultrapassar os limites da realidade determinada pelo passado marcado pela escravidão e pela exclusão e buscar as possibilidades da vida que não se realizaram. E é essa fé que livra da força do mal, da lei das obras e do poder da morte e leva a uma comunhão direta com o meu próximo e eterna com Deus. Essa é a base e o fundamento da liberdade no Espírito.

4. É teologia da imagem de Deus, e nesse sentido uma teologia para os excluídos, que como todos os humanos são portadores da imagem de Deus Criador. Pessoas e comunidades excluídas de bens e possibilidades têm conhecimentos, habilidades e recursos. Tratar tais pessoas com dignidade significa propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades. Trabalhar com elas envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua.

5. É uma teologia para a Igreja, porque Deus por sua graça tem dado as comunidades de fé o desafio da comunicação. O futuro da comunicação se define em termos de expansão do reino de Deus, capacitando as gentes para que transformem suas comunidades. As comunidades de fé devem gerar espaços e tempos de inclusividade, como fruto natural do chamado que receberam. As pessoas e mesmo as comunidades são atraídas por este fazer de amor das comunidades cristã. E é a partir daí que são impactadas pela mensagem cristã.

6. É uma teologia para o Reino de Deus, comunitária, porque a experiência de caminhar com as comunidades excluídas deixa uma interrogação sobre o que significa ser comunidade de fé. A igreja pode ser mera instituição ou organização, mas é nas comunidades de fé em Jesus que se concretizam os valores do Reino. A participação dos excluídos na vida das comunidades de fé possibilita o encontro de novas maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira, ao invés de ser simples reflexo dos valores da subcultura dominante. A comunicação tem credibilidade na medida em que adota uma aproximação encarnada. Com freqüência as comunidades de fé têm-se dedicado à obtenção de dinheiro, êxito e influência. A comunidade que Jesus Cristo denominou seu pequeno rebanho faz parte do Reino de Deus. As tradições eclesiásticas não podem dificultar o que a Igreja já fez pela expansão do Reino. A igreja pode enfrentar o problema da miséria quando trabalha com os miseráveis e, a partir daí, pressiona atores sociais com a sociedade civil, os governos e o setor privado, sobre a base do respeito mútuo e o reconhecimento do papel de cada participante.

7. É uma teologia social, de apoio às transformações sociais que favoreçam os excluídos e caminhem na direção de acabar com a miséria no Brasil. Vejam de onde vierem essas ações transformadoras. Tais atividades se ampliam para incluir avanços em direção à transformação de valores, o reconhecimento da dignidade das comunidades e a cooperação em questões de justiça. Com sua presença ao lado dos excluídos, as comunidades de fé colocam-se numa posição singular que favorece o trabalho para restaurar a dignidade concedida por Deus, apresentando valores para que produzam recursos próprios e criem redes de solidariedade.

8. É uma teologia da cidadania, de consciência de direitos e deveres de cada pessoa como integrante de uma coletividade, entendendo-se essa coletividade em todas as instâncias do Reino de Deus e de sua presença no mundo. Isso pressupõe a igualdade, que transpõe barreiras de nível sócio-econômico, de etnia, de faixa etária, de sexo, de cultura, de situação civil, de deficiência física, de instituição e, também, pressupõe a unidade na pluralidade, pois trata da existência humana sobre a face da terra, e seu direito à vida, à liberdade, à propriedade, ao trabalho, à educação, à saúde, ao entretenimento e à cultura. É uma teologia por si só inclusiva, pois se contrapõe à opressão, à omissão, à rejeição e à massificação. É também uma teologia espacial, pois considera o mundo como oikos, precisando ser preservado, cuidado, adaptado, sinalizado, para usufruto e bem estar do ser humano; o que integra as demais criaturas de Deus, como parte de seus direitos e deveres, de coroa da Criação.

9. É uma teologia ecológica, que envolve o uso responsável e sustentável dos recursos da criação de Deus e a transformação das dimensões morais, intelectuais, econômicas, culturais e políticas da vida. Isto inclui a recuperação de um sentido bíblico de mordomia. O conceito bíblico do sábado recorda que se deve por limites ao consumo. Os cristãos integrados no Brasil devem usar sua riqueza e seu poder a serviço dos demais. É um compromisso de trabalhar para libertar os ricos de sua escravidão ao dinheiro e ao poder. A esperança de tesouros no céu livra da tirania de Mamon.

10. É uma teologia do amor, da paz e da reconciliação, porque num mundo de conflitos e tensões étnicas tem-se falhado na tarefa de construir pontes. A Teologia de Missão Integral trabalha pela reconciliação entre comunidades divididas etnicamente, entre integrados e excluídos, entre opressores e oprimidos. Reconhece o mandato de falar por quem não pode clamar por si mesmo e, também, a necessidade de defensoria tanto para tratar da injustiça estrutural, como para resgatar o próximo necessitado. Essa teologia clama por outra globalidade, solidária, pois a globalização excludente é o domínio de culturas que têm o poder de promover seus produtos, tecnologias e imagens além de suas fronteiras. A luz deste fato, as comunidades de fé com sua rica diversidade desempenham um papel singular por ser uma comunidade verdadeiramente global.

E, por fim, nessas reflexões da Teologia da Missão Integral para nosso continente, diremos que é uma teologia da solidariedade latino-americana, que faz a crítica da globalização selvagem e chama pessoas e comunidades cristãs à uma solidariedade com a América Latina, construída ao redor de propostas e ações de justiça e paz. A Teologia da Missão Integral considera que os países desenvolvidos devem reconhecer seu papel no desenvolvimento de uma economia global solidária, onde estão incluídas novas formas de pensar e agir em relação ao continente latino-americano.

A Teologia da Missão Integral reconhece o valor do planejamento, da organização, da avaliação e de outras ferramentas similares, mas afirma que estas devem estar a serviço do processo de construção de relações e valorização dos excluídos latino-americanos, sejam eles pessoas ou comunidades.

Dessa maneira, a Teologia da Missão Integral faz um chamado à solidariedade latino-americana, entendendo que pessoas e comunidades cristãs devem ajudar aqueles que clamam pelos Direitos Humanos essenciais e apoiar aqueles que se dedicam a melhorar as condições de vida e possibilidades das populações na América Latina.

Jorge Pinheiro